Design inspirado na natureza: do funcional ao emocional

André Grilo, Ph.D.
6 min readJun 2, 2015

Tenho refletido nesses dias acerca daquilo que inspira ou motiva uma solução de design, e os caminhos que orientam seus processos de criação. Que inspirações podem conduzir à expressão de uma ideia, de um design que comunique seu sentido de maneira eficaz? Sobre isso, penso que

O design é o resultado indissociável de um pensamento criativo sobre a realidade observada.

Seja por meio de informações visuais, táteis, tangíveis ou não, o design está carregado de valores e fundamentos norteados pela experiência: ora de quem o projeta, ora de para quem está sendo projetado. Essas referências de contexto tornam-se nutrientes fundamentais para o processo de inspiração do design, que se equilibra entre o concreto e o subjetivo. De acordo com Trummer (2008), “ nós costumamos encontrar nosso percurso em meio a esta complexidade por meio do equilíbrio entre pensamento crítico e intuição”.

Nessa perspectiva de diferentes olhares sobre um contexto, podemos inferir que o design também é tecido por fibras culturais, as quais desenham a forma como ele é motivado, elaborado e percebido pelas pessoas. Uma simples percepção da realidade pode ser capaz de produzir um conjunto imenso de referências (imagéticas, formais, cromáticas, sonoras etc.), fazendo da leitura do fenômeno um fio condutor de ideias para solucionar o contexto de um projeto.

Assim, considerando a natureza como realidade a ser percebida, o designer pode se apropriar de seus aspectos estéticos e estruturantes. Combinando tais elementos, o produto pode redundar em uma criativa tradução da natureza.

A natureza como fonte de inspiração

O convívio do homem moderno com a natureza já não é mais o mesmo de antes. A realidade das tecnologias montou um cenário no qual os polímeros industriais ganharam o foco em nosso campo visual: smartphones, automóveis, o cartão de crédito, os prédios, as lojas, aeroportos…por toda parte, a indústria tem deixado suas rubricas. Assim, nossas referências da natureza acabam se tornando um objeto dinâmico, muito mais do que um objeto imediato; ou seja, a depender do lugar, a imagem sobre a natureza tende a ser cada vez mais distante da realidade.

Em contrapartida, ainda que o homem tenha transformado os elementos naturais em formas fabricadas e geometrizadas, não há como dissolver totalmente a natureza da percepção da realidade e o senso de coexistência das pessoas com a mesma. Para a mesma realidade de objetos fabris com a qual nos defrontamos, há tantos outros elementos que colorem sua paleta galvanizada: os animais, as plantas, a água, o fogo, a luz do sol. Continuamos, então, cercados de manifestações da natureza, e nosso referencial sobre a mesma — em menor ou maior grau — permanece.

No âmbito do design, a inspiração na natureza é uma tendência que tem encontrado eco principalmente nos produtos, transportando características semânticas e pragmaticas. Em outras palavras, muitas soluções de design são diretamente inspiradas na natureza, e isso é manifestado em pelo menos dois aspectos do design: funcional e emocional.

Funcional: design que imita a natureza

É importante destacar que hoje existe um entendimento menos ortodoxo do que vem a ser funcionalidade no design; por exemplo, um objeto decorativo também cumpre sua função — estética — , embora não carregue consigo elementos de interação ou mecanismos físicos que requeiram a execução de uma tarefa. No entanto, trataremos aqui daqueles produtos que necessitam de uma estrutura de funcionamento, por envolverem muito mais aspectos operacionais do que apenas contemplativos. Nesse sentido, temos um design funcional no seu sentido germânico. Dentro desse entendimento, de que formas a natureza poderia inspirar a funcionalidade de um design?

Bem, não é de hoje que vários pesquisadores têm investigado o funcionamento e a complexidade da natureza. Diversas estruturas biológicas despertam o interesse de muitos grupos da sociedade, o que não é diferente para a indústria. No caso da engenharia civil, por exemplo, há vários experimentos realizados em colônias de formigas, que revelam a estrutura arquitetônica extremamente sofisticada construída por esses pequenos animais, como demonstra o breve trecho de um documentário abaixo:

Obs.: o experimento foi realizado em formigueiros abandonados.

Esse é um exemplo de Biônica, nome dado à pratica de estudar e desenvolver tecnologias baseadas no modo como a natureza se organiza. Um dos exemplos mais famosos de biônica são as asas de aeronaves, que utilizam princípios físicos observados nos pássaros (Figura 1).

Figura 1: As asas dos aviões são exemplos do uso da biônica no design

Outra aplicação interessante de biônica é o Winehive, um suporte para garrafas de vinho inspirado nas estruturas das colmeias. O layout pode ser configurado em diferentes formas, apenas conectando os módulos (Figura 2).

Figura 2: Suporte para garrafas de vinho

Pesquisadores da Festo, companhia especializada em inovação tecnológica em biônica, desenvolveram um braço robótico inspirado na tromba de elefantes. A proposta experimental seria aproveitada em hospitais, na agricultura etc., permitindo um contato mais estreito entre as máquinas e as pessoas.

Emocional: “esculturas” que funcionam

A partir das referências estéticas da natureza, é possível estabelecer diretrizes conceituais para elaboração de um produto, enfatizando seus aspectos emocionais. Conforme Norman (2004), o design emocional pode ser decomposto em três níveis interdependentes: o visceral, o comportamental e o reflexivo (Figura 3).

Figura 3: níveis emocionais do design (baseado em Norman, 2004)

O nível visceral corresponde às primeiras impressões que o produto causa, o seu impacto visual. O nível comportamental está relacionado com suas funcionalidades e as sensações provocadas pelo seu uso, levando a uma confirmação ou não da percepção obtida no nível viceral. O nível reflexivo envolve os significados atribuídos ao produto, legitimados pela experiência do usuário.

Alinhando a proposta inspirativa ao contexto de uso, o designer pode projetar belíssimos trabalhos que encantam pela referência à natureza, aliando tais referências aos níveis emocionais do design. Um exemplo disso é o estúdio bielorusso Fajno Design, que desenvolveu conceitos interessantes de produtos para mobiliário e decoração inspirados em animais.

O primeiro deles é a DogChair, uma proposta inserida no contexto das crianças. Brincando com a estrutura que sustenta o banco, que sugere as patas de um cachorro, os designers expressaram uma poética lúdica para o produto, combinando elementos formais e cromáticos. A honestidade do material predominante (madeira) também produz um sentimento acolhedor ao conceito, que não deixa de ser funcional (Figuras 4).

Figura 4.a
Figura 4.b
Figura 4.c

Outro conceito do mesmo estúdio é o Catch, um conjunto que possui funções práticas e decorativas, combinando dois elementos de funcionalidades distintas (pendente e banqueta), o que produz uma estética de movimento e tenta figurar a captura de um evento da natureza, imprimindo um teor de escultura nos objetos (Figuras 5).

Figura 5.a
Figura 5.b
Figura 5.c

Em ambos os exemplos, há um quê fotográfico, de recorte da natureza, trazido de uma experiência emocional ou de referências construídas sobre a mesma. Ainda que exista alto teor estético, os produtos não deixam de cumprir suas funções primárias, formando a clássica combinação entre arte e design.

Conclusões

Encontramos na natureza uma variedade incontável de referências para o projeto de design. Cabe ao designer refletir sobre o papel que o produto pretende cumprir no contexto onde será aplicado: quais são os anseios dos potenciais usuários? Como eles enxergam o mundo ao seu redor? Tudo isso dará os contornos da estética do conceito, bem como pode inspirar uma solução biônica inovadora para o produto final, atingindo com plenitude os níveis emocionais e funcionais do design.

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NORMAN, D. Emotional Design. New York: Basic Books, 2004.
TRUMMER, J. Creating Emotional Impact Through Vision. Disponível em <http://www.design-emotion.com/2008/06/19/creating-emotional-impact-through-vision>.

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André Grilo, Ph.D.

Design, Educação e Cibercultura. Reflexões sobre Design de Produto Digital e Experiência do Usuário.