Precisamos projetar uma ergonomia de concepção, e não de correção

Relembrando aprendizados sobre ergonomia durante o 16º Ergodesign/USIHC & CINAHPA

André Grilo, Ph.D.
7 min readNov 26, 2017

Este foi um dos pontos abordados na palestra do prof. Francisco Fialho, durante abertura do 16º Congresso Internacional de Ergonomia e Usabilidade — Ergodesign, evento tradicionalmente realizado em conjunto com o Congresso Internacional de Ergonomia e Usabilidade de Interfaces Humano-Computador (USIHC). Neste ano, a edição agregou o Congresso Internacional de Ambientes Hipermídia para Aprendizagem (CINAHPA), sendo sediado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis-SC, no primeiro semestre de 2017.

Foto: Organização Ergodesign/USIHC & CINAHPA, 2017.

Para Fialho, ainda existe uma visão de desenvolvimento de produtos ergonômicos mais voltada para correção de artefatos que não consideram, desde o início do projeto, abordagens centradas nos usuários. Essa perspectiva, segundo ele, é um grande equívoco na indústria, pois impede a geração de produtos mais eficazes.

Relembrando desse importante evento realizado este ano, trago aqui alguns pensamentos sobre o tema e também minhas impressões e pontos que considerei relevantes no Congresso.

Ao refletir sobre o tema, percebo que de fato há uma cultura de não transportar o usuário para dentro do projeto do produto, que traz por consequência a subtração de potenciais inovações que o produto apresentaria se fosse concebido com a ótica dos usuários, a qual costuma gerar pensamento divergente — criatividade — no processo de design.

Dessa forma, ainda temos, em diversos setores e segmentos do design, a necessidade de trazer o usuário para o processo, a fim de prever e evitar as incorreções ergonômicas, tornando a ergonomia um aspecto basilar do projeto, e não uma abordagem corretiva de produtos.

A prática do design

O processo de design é ora pragmático, na sua metodologia, ora caótico, na sua criatividade. O profissional de design relaciona variáveis quantitativas e qualitativas da experiência dos usuários de um produto e media relações entre estes sujeitos e os processos de produção e desenvolvimento das tecnologias, desenhando possibilidades de configuração interação de tais soluções.

Ao fazer isso, o designer estabelece uma ponte que leva o usuário — direta ou indiretamente — para as tomadas de decisão do produto, advogando suas necessidades. Essa prática nem sempre foi assim, uma vez que os consumidores historicamente apenas recebiam os produtos nas prateleiras (ou na loja de aplicativos, no caso de interfaces digitais), ficando à mercê das tecnologias e da indústria.

©Liz Sanders

Nos últimos anos, tem se fortalecido o entendimento de que o trabalho do designer deve se nortear por uma perspectiva centrada no usuário, adequando as tecnologias para a maneira como este se comporta, e não levando-o a assumir comportamentos não naturais para se adequar ao produto (Norman, 2010), uma vez que a maneira de pensar dos projetistas é totalmente diferente da mentalidade dos usuários (Rocha & Baranauskas, 2003; Santa Rosa & Moraes, 2012). Tal perspectiva, porém, não é compartilhada por todas organizações, o que leva a indústria a gerar produtos cuja qualidade da experiência do usuário fica comprometida.

Por que falar de ergonomia no design?

Baseada na etimologia grega ergon (trabalho ) + nomos (normas), essa disciplina iniciou há muitas décadas atrás, com reflexões nos aspectos de conforto e adequação de postos de trabalho, a tradicional ergonomia física (Iida, 2005).

Fonte da imagem

A ergonomia física não está situada apenas em ambientes de trabalho, mas em qualquer situação que envolva a realização de uma tarefa. Essas situações começam desde cedo na experiência das pessoas, nos primeiros contatos com a sociedade. Quem é canhoto (como eu), deve se recordar da dificuldade em encontrar uma cadeira adequada numa sala de aula ou dos incômodos cadernos de espiral…

(Fonte da imagem)

A abrangência da ergonomia

Atualmente, a ergonomia possui uma capilaridade bem maior nos processos industriais e de gestão (IEA, 2000), contemplando não apenas as características mecânicas dos produtos, mas os aspectos psicológicos da interação com as interfaces e suportes informacionais (ergonomia cognitiva) e a própria complexidade social dos ambientes de trabalho (ergonomia organizacional).

Infográficos são artefatos gráficos que apresentam uma variedade de informações de maneira ergonômica, se comparados aos textos de parágrafo convencionais. Ilustração: Amy Myoung (Fonte)

Em ergonomia, tudo pode ser considerado uma máquina: um computador, um celular, um automóvel, um carrinho de compras, uma campainha, uma caneta, um mural de avisos… todos esses artefatos possuem interfaces que mediam a relação de um ser humano com uma tarefa a ser realizada no seu contexto, compondo assim os elementos do sistema homem-tarefa-máquina.

A ergonomia oferece uma visão sistêmica sobre a interação de pessoas com máquinas, durante a realização de tarefas (Moraes & Mont’alvão, 2000), observando como os indivíduos entram e saem de uma experiência com artefatos físicos, interfaces gráficas ou ambientes construídos. Dessa apreciação, o ergonomista é capaz de elaborar um parecer com diretrizes e recomendações que harmonizem a configuração do produto ao maior conforto e proveito para o usuário.

Exemplo de compreensão ergonômica do sistema homem-tarefa-máquina (Silva, Ribeiro & Wanderley, 2002).

A abordagem ergonômica oferece, dessa maneira, recursos para designers conceberem produtos de modo a contemplar a complexa relação sistêmica do usuário com seu entorno, o qual possui vetores internos e externos que influenciam positiva ou negativamente sua experiência durante a realização de tarefas.

O que as pessoas estão pesquisando sobre ergonomia e usabilidade

Como ocorre na maioria dos congressos acadêmicos, as atividades se dividiram em palestras, workshops e também sessões técnicas para apresentações de pesquisas científicas na área. Estas últimas são a parte que mais gosto de participar em congressos, pois é possível conhecer pesquisadores e seus trabalhos na área, os desafios e aprendizados são compartilhados e ideias são debatidas em torno dos temas apresentados. Dessas conversas surgem, além de geração de conhecimento, iniciativas de colaboração entre pesquisadores de diferentes instituições de ensino e de outras organizações.

Os trabalhos apresentados nas sessões técnicas e palestras (ambas traduzidas por intérpretes LIBRAS) e nos pôsteres abordaram diferentes tópicos:

  • Ergonomia aplicada ao desenvolvimento de artefatos físicos;
  • Projeto ergonômico de interfaces e sistemas de informação;
  • Acessibilidade em contextos de interação física e digital;
  • Intervenções ergonômicas voltadas para idosos e crianças;
  • Tecnologias aplicadas a objetos de aprendizagem.
(Foto: Organização)
Mesa redonda traduzida em LIBRAS, formato adotado também nas sessões técnicas e palestras durante o evento. (Foto: Organização)

Uma das palestras foi traduzida de LIBRAS para português: a profa. Dra. Simone Gonçalves é surda e relatou suas experiências pessoais e como docente no IFSC, onde atua no Campus Bilíngue de Palhoça-SC.

Profa. Simone Gonçalves (IFSC) relata o processo de elaboração de materiais didáticos para surdos. (Foto: Organização)

Uma das mesas redondas teve como temas o ergodesign, novas tecnologias na educação e também uma discussão sobre o perfil do profissional de experiência do usuário e a validade do cargo UX Designer, este último abordado pela profa. Manuela Quaresma (PUC-Rio).

Mesa redonda “Ergodesign, inovação: novas tendências”. (Foto: Organização)
Com a profa. Manuela Quaresma (PUC-Rio), que apresentou pesquisas sobre profissionais de UX (Foto: Acervo pessoal)

Durante o evento, também apresentamos pesquisas realizadas na Superintendência de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (SINFO/UFRN), que envolveram o uso de um framework voltado para colaboração entre designers e desenvolvedores dos sistemas acadêmicos da Instituição, envolvendo abordagem do design participativo de interfaces.

Apresentando resultados de pesquisas orientadas na SINFO/UFRN, com o graduando em design André Victor (à esquerda). Projeto de intervenção ergonômica envolveu participação de desenvolvedores e usuários de sistemas de gestão acadêmica. (Foto: Acervo pessoal)
Avaliações cooperativas de interface junto a usuários dos sistemas acadêmicos na UFRN. (Foto: Acervo pessoal)

Ficamos contentes em apresentar resultados de pesquisas em design e experiência do usuário no contexto da gestão pública, as quais têm sido recebidas de maneira positiva pela gestão da UFRN. Isso tem oportunizado diversas ações de design nos últimos anos e vem contribuindo para um significado mais claro do papel do designer como ofício e como ciência.

Considerações finais

A discussão sobre ergonomia é ampla e confunde-se com a evolução das abordagens de design, uma vez que cada vez mais se inclinam para a experiência do usuário e alinhamento de valor entre produção dos artefatos e contextos de uso desses produtos no cotidiano das pessoas.

É motivador perceber a ergonomia consolidada como critério nas práticas acadêmicas de design, e esperamos retornar à sociedade esse conhecimento disseminando boas práticas de design ergonômico em suas diversas vertentes de atuação, para gerar produtos cuja ergonomia resida na sua concepção.

Autor

André Grilo de Sousa, M.Sc.
Coordenador de Design na Superintendência de Informática
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (SINFO/UFRN)

Referências

International Ergonomics Asssociation — IEA. What is Ergonomics? In: IEA Website. Recuperado de http://www.iea.cc/whats/index.html em 26 de novembro de 2017.
Iida, I. (2005). Ergonomia: projeto e produção. 2 ed. São Paulo: Blucher.
Moraes, A. & Mont’alvão, C. (2000). Ergonomia: conceitos e aplicações. Rio de Janeiro: 2AB.
Norman, D. (2010). Design do Futuro. Rio de Janeiro: Rocco.
Rocha, H. V.; & Baranauskas, M. C. (2003). Design e Avaliação de Interfaces Humano-Computador. Campinas: Emopi.
Santa Rosa, J. G.; & Moraes, A. (2012). Design Participativo. Rio de Janeiro: RioBooks.
Silva, A..; Ribeiro, L. ; & Wanderley, Y (2002). Aplicação dos métodos e Técnicas da Ergonomia na Avaliação de Sistemas Homem-Tarefa-Máquina: Um estudo de caso. I Congresso Internacional de Pesquisa em Design e V Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. Rio de Janeiro-RJ: ANPED.

--

--

André Grilo, Ph.D.

Design, Educação e Cibercultura. Reflexões sobre Design de Produto Digital e Experiência do Usuário.